terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Mudança

Ele fazia gestos, eufórico.

- Ahn? Barulho? Uma buzina, estou certo? Mas era muito agudo... Pernilongos. Estamos na época dos malditos pernilongos, os espalhafatosos. Dançam e berram... e comem. Mas, foi um berro? E se foi uma mulher dando gritos? Você disse que foi constante... um berro duradouro. Será? Não está mentindo, não é? Espero que não. Pode ser uma dama sendo assassinada. Ou um susto. Sim, foi duradouro. Esqueci. Quem sabe não era um filme? Ora, claro que poderia ser um filme. Hoje temos uma qualidade sonora nos aparelhos inimaginável... Quê? Não... É. Então não poderia ser um telefone tocando? Assim eu fico confuso! Foi ou não foi constante? Mas foi o que você disse. – mostrou o dedo do meio - Deixa pra lá...


Uma pessoa muda a outra.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Caretas de 1972


O que um clássico de Woody Allen e “Todo mundo em pânico” tem em comum?

Profetizo minhas idéias absurdas em meios a clichês cotidianos muito bem-vindos. Recebo-os de braços abertos, pois tudo o que me cerca é o que pode ser chamado de repetição. Pior: repetição-não-criativa. A palavra repetição, por si só, já carrega em si o sufixo “não criativa”? Essas e outras dúvidas podem ser sanadas assistindo-se a um filme chamado “Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo, mas tinha medo de perguntar”, de Woody Allen. Sim, esse é o nome do filme.
A película, que mostra situações hilariantes, nada tem de muito inovador nos dias atuais. Traz idéias já comumente absorvidas pelo humor da sociedade hoje. O que surpreende, porém, é o ano de lançamento do filme: 1972.
1972? Eu não acreditava. Mulher de calcinha com cadeado, homem tendo relações sexuais com ovelhas e espermatozóides conversando... em 1972! Revi o filme sem acreditar ainda que fora lançado na dita época conservadora. Na era dos caretas. Pelo menos é o que dizemos hoje.
O que tanto apareceu nesse filme de Woody Allen, é o que aparece constantemente em filmes de comédia atuais disseminados pela juventude. São filmes de humor baixo, piadas preconceituosas. Mas que não deixam de ser humor! Nem podem deixar de ser desvalorizados perante outros tipos de comédia. O que define o que é e o que não é piada boa?
Como uma vez já disse aqui no blog, pessoas inovadoras são aquelas que enxergam além de seu tempo. Prevêem e semeiam aquilo que se tornará tendência...

Não creio que Woody Allen, assim como tantos outros, previu como seria a comédia no futuro.
Ele fez a comédia do futuro!
Assim como não acredito que Bill Gates seja um visionário que soube que um dia todos teriam computadores em casa.
Ele criou esse futuro!

É por isso que as repetições, criativas ou não, são sempre muito bem-vindas. São um modo de perpetuar tendências na sociedade.


Diante disso, lanço a todos nós um desafio: o que vemos hoje que será a tendência do amanhã?

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Rascunho de fábula


Manoela caminha majestosamente em direção à parada de ônibus. Não costuma dar bom dia a ninguém, e sempre levanta o nariz. Simpatia é sinônimo de fraqueza, de vulnerabilidade.
Um anão negro lhe chama a atenção. Ele anda com uma bengala e usa óculos escuros. Cego, ela pensou. E era mesmo. Negro, anão, cego... e ainda anda de ônibus! Pobre coitado.
Jackson caminha malandramente em direção à parada de ônibus. Não costuma dar bom dia a ninguém, e sempre faz questão de forçar os músculos do braço. Braço forte é sinônimo de poder, de caráter.
Um anão negro lhe chama a atenção. Cego, ele pensou. E era mesmo. Negro, anão, cego... só resta ser homossexual! Pobre coitado.
Sabrina caminha decididamente até a parada. Tem o andar simples. Dá bom dia a todos e oferece chocolate para as três pessoas.
Manoela sorri com meio rosto e faz cara de desprezo em seguida.
Jackson mostra o braço.
O anão, por sua vez, aceita. Prova do chocolate e dá um sorriso sincero:
- Adoro Kopenhagen.
Sabrina consente com a cabeça. O motorista do anão, dirigindo um Chrysler, chega e pára em frente à parada.
- Quer carona, moça do chocolate?
- É Sabrina.
- Claro. – olha-a de cima a baixo - Mora aonde?
- Lago Sul...
- Eu também.
Os dois entram no automóvel, rindo e conversando.
Jackson se vira para Manoela:
- O ônibus pra Ceilândia já passou?
- Não vi.
- Aceita um batom?
- Quê?
- Batom... Chocolate.
Vida infeliz. Preconceituosa, pensa Manoela. Rejeita o chocolate com asco, e isso não mudará seus valores.


Moral da história: Pessoas simpáticas podem carregar coisas boas.
Moral da história 2: Pessoas aparentemente inferiores podem lhe oferecer uma grande carona.
Moral da história 3: Preconceito é coisa de gente pobre. Não economicamente.
Moral das entrelinhas: Não importa a marca do chocolate, carona é carona.