sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Estrela decadente

Celebridades são aquelas pessoas que sabem atuar. Todos deveriam temê-las, mas tem fixação.

Uma estrela cadente passou pela janela dos meus olhos. Eu deveria fazer um pedido, sei que deveria! Peguei meu celular, porém, e disquei para um amigo. Eu ia me gabar, ia despejar-lhe vitória pessoal! A estrela apareceu para mim. Poderia pedir tudo o que quisesse! Eu queria um carro melhor. Não, não. Uma cobertura em Ipanema. Sim! Meu amigo, meu cúmplice da derrota, ele ia babar por mim. Nossa amizade sempre baseada na batalha implícita do ego, quem iria se sobressair a quem. Agora era o golpe de minerva: eu era o vencedor. Uma estrela passando por mim! Um desejo, vou fazer um desejo!
Ninguém atende. Ipanema... Leblon... Barra da Tijuca. Por que o panaca não atende? Dane-se o infeliz: tenho minha mãe! Claro! Mamãe... sempre duvidando de mim, sempre colocando obstáculos no caminho dos meus sonhos. Óbvio que eu poderia ser famoso, rico, poderoso. Poderia, sim. Agora serei. Estrela cadente, linda, maravilhosa. Uma mansão no Nordeste pra passar as férias... claro! Qual era o número da mamãe mesmo? Não tenho aqui... Fama! Eu quero ser famoso... Ter a voz de cantores internacionais. Quantos pedidos a estrela me concede? E seu eu pedir que tenha direito a um pedido por dia pro resto da vida? Sim, sim! Esse mês vou pedir apenas imóveis, por todo o mundo! Depois, amor! Sexo, vida! Cadê o telefone da mamãe, Jesus? Eu vou mostrar pra ela, ela que um dia me bateu. Reprimiu-me. Agora eu tenho o mundo nas mãos. Achei o número! Discar... Discar... Atende, mamãe! Eu quero ter o poder da sedução. Quero transpirar sensualidade. Todos vão me desejar, todos vão querer ser como eu.
Mamãe trocou de celular. Eu quero ser bonito! Quero ter a beleza dos príncipes, quero ter o dom da dicção, da comunicação. Pra quem eu ligo? Mamãe não está em casa a essa hora... Claro, é dia da hidroginástica! Pra que isso? Saúde! Eu quero saúde pra sempre. Quero chegar aos cem anos como se estivesse aos vinte. Serei um coroa bon vivant, caminhando com roupão de seda pelos meus jardins em Paris. Estrela cadente, linda graciosa! Você é bela, é eterna. Eu quero ser eterno, quero ser imortal! Nas gerações futuras, serei lembrado pra sempre! Habitarei capas de livros, enciclopédias. Minha ex-namorada. A hipócrita. Aquela que não deu valor ao homem que a amava. Eu, um homem maravilhoso. Ela perdeu, estaria agora ao meu lado concretizando seus sonhos, seus desejos mais profundos.
Vou ligar pra ela. Saberá que cometeu o maior erro de sua vida. Eu vou pedir o mundo, o segredo do universo! A origem de tudo, a sabedoria universal. A verdade! É claro que existe uma verdade! Quero falar com os mortos, ser imortal. Eu quero ser uma estrela! Eu quero ser A estrela! Eu quero conceder desejos. Serei você, estrela cadente... quero seu posto! Misterioso, lindo, invejado, amado... um símbolo eterno!
- Alô?
Ela atendeu! É a hora! A hora de me tornar Deus!
- Olha... Já pedi pra não me ligar mais.
Dê uma chance a ela. A coitada não sabe o que diz, não sabe que está falando com Deus.
- Eu vou desligar.
Ela desligou. Covarde! Mais um desejo pra entrar na lista: passar a ser audacioso, valente. O telefone toca. Ele, o invejoso! Sim, a graça de toda aquela história. Mostrar pros outros o quão bom ele será. O amigo deve estar ligando para se gabar de mais alguma coisa, mais uma façanha. Mas eu ganhei dele, de uma vez por todas. Provarei ser o melhor.
- Alô?
- Você não vai acreditar, hoje eu...
- Cala a boca.
Olhei pela janela dos meus olhos, pronto pra fazer o pedido. Era a hora!
- Cala a boca? Você enlouqueceu?
Cadê a estrela cadente? Cadê? Ela se foi! Como? Tão rápida! Não deu tempo... como pude deixá-la passar?
- Alô, mal educado. Você ainda está aí?
Estou. E sou uma celebridade. Eu vi uma estrela cadente! Não dou mais satisfações a ninguém. Desligo o telefone. Não importa, eu não fiz o pedido... mas e daí? Eu a vi! É o mais importante! Eu vi uma estrela cadente!


Ele não conseguiu falar com a celebridade. Ainda tentou correr atrás do carro, mas era tarde demais.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Privada, eu?



Após descobrir que tenho um sexto de uma dúzia de fãs, resolvi retornar com alguns posts não-periódicos. Não que eu pense estar superior a um blog agora, muito pelo contrário. Não sou ninguém. Passei os últimos seis meses aceitando a opinião alheia, tendo que escrever em provas o que fulano acha da democracia, o que sicrana pensa sobre a sociedade. E o que eu penso? O que você pensa deve ser escrito em um blog, ou num caderno de anotações surrado da coleção contemporânea “Cor e Arte”, da Tilibra. Arrependo-me de ter abandonado de certa maneira esse blog, esse espaço. Apesar de eu adorar quando outras pessoas lêem minha escrita, escrevo tudo para mim mesmo, como uma privada em que você libera suas necessidades.
Não franza o cenho, qual o problema com metáforas em relação à privada? E a sua vida privada? Uma das suas melhores amigas não deveria ser digna de habitar pensamentos grotescos e preconceituosos. Deixe-a em paz. Deixe-me sossegado. Faço metáforas do que quiser. Esse blog é como uma privada; e isso é uma coisa boa.
As instituições são privadas. Embora as do governo sejam estatais, também continuam sendo privadas.
Chamamos nossa vida e as instituições de privadas, e temos repulsa pelo nome.
Adoro a sintaxe e a semântica.

Depois de quatro meses de férias, volto a depreciar nossa sociedade já depreciada.